Apresentação do projeto

Livro com 130 a 150 fotografias baseado na documentação fotográfica das festas dedicadas a N. Sra. do Rosário e São Benedito realizada por quase 10 anos , em vários estados brasileiros e na minha dissertação de mestrado em Ciência da Religião, concluída em 2017 na PUC/SP.
A Negra Devoção 

Trezentos e cinquenta anos…  Esse foi o tempo da escravidão no Brasil. 
Contando como início da nossa história a chegada de Cabral, em 1500, temos mais tempo como nação escravocrata do que como país de homens e mulheres livres. 

É bem possível que nem os netos das pessoas que estão hoje lendo este texto estejam vivos quando este tempo chegar a um empate, daqui a 160 anos.

A escravidão deixou de fazer parte da nossa vida há tão pouco tempo que é difícil acreditar que muitos de nós já se esqueceram ou nada sabem sobre ela.

A história da África faz parte da nossa história desde que os primeiros homens e mulheres do Congo e de Angola, e que foram chamados de Bantu, foram trazidos para trabalhar nas plantações de açúcar. Foram mais de 4 milhões de africanos trazidos para cá e os Bantu foram a maioria deles. 

De fato, formamos uma sociedade repleta dos costumes e do saber Bantu, que serviram de base para que outras culturas, de outros povos africanos também trazidos como escravos, pudessem encontrar um modo de sobreviver. Quando falamos camundongo, bagunça, cafundó, quiabo, moleque e mais centenas de outras palavras, estamos falando Bantu.

Esses mais de 500 povos, que habitavam a África Central e que tinham uma raiz linguística comum, tiveram seus primeiros contatos com a cultura portuguesa cerca de 15 anos antes do Brasil ser encontrado pelos Portugueses, e foram apresentados ao Catolicismo como homens e mulheres livres. Capazes de entender e absorver elementos dessa nova cultura e agregá-los ao seu saber ancestral, os Bantu assumiram o Catolicismo em suas vidas e elaboraram um curioso sistema de crenças que misturava todos os saberes. Eles se tornaram católicos sem deixar de ser Bantu.

Esse catolicismo africano chegou ao Brasil com os escravizados e se organizou em Irmandades de Homens Pretos sob a proteção dos Santos Negros, principalmente N. Sra. do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia. Irmandades que serviram como forma de resistência e manutenção de um mínimo de dignidade para, inclusive, enterrar seus mortos.

Celebrando seus padroeiros, coroando seus reis e rainhas, dançando e cantando como forma de oração, os Bantu mantinham com eles sua ancestralidade e as memórias trazidas da África e que eram o que a escravidão nunca tirou deles.

Este é o projeto de um livro com cerca de 130  fotografias feitas em vários estados brasileiros, para mostrar como a cultura e a cosmologia Bantu se fazem presentes e se espalharam pelo Brasil. O texto é resultado de um trabalho de campo que se transformou numa dissertação de mestrado em Ciência da Religião na PUC/SP, concluído em 2017.

É, portanto, o resultado de um trabalho que começou há mais de 9 anos, em Minas Gerais e que me levou a querer saber mais sobre essa emocionante devoção católica e africana que está presente em tantos lugares no Brasil.

Da fotografia como um tipo de pesquisa visual e antropológica, até o mestrado em Ciência da Religião foi um caminho longo no tempo, mas curto na percepção de quanto o ambiente acadêmico poderia me ajudar a partilhar esse conhecimento. 

O livro pretende, entre tantas outras coisas, incitar a curiosidade e o desejo de se aprofundar nas origens das nossas devoções populares que estão firmemente assentadas numa ancestralidade africana.

Que esse conhecimento, que pretendo partilhar, aumente o respeito e diminua o preconceito sobre uma população que, de fato, é responsável por muito da forma de viver e de entender o mundo na sociedade em que vivemos.



O projeto do livro Negra Devoção já foi aprovado para gozar dos benefícios de leis de incentivo à cultura - Rouanet.  
Projeto 239083  publicado no DOU de 03/01/2024, p. 362  com o valor de R$ 302.392,94

Além disso ele se enquadra perfeitamente nas leis 10.639 e 11.645​​​​​​​
O percurso até aqui… A fotografia como base de pesquisa

Esse trabalho de pesquisa começou há muitos anos, quando eu nem sonhava com a realização de um mestrado.

Sou um ex-engenheiro, que gosta de fotografia desde os 15 anos de idade, influenciado por colegas de escola que também gostavam de fotografar. Me formei em 1978 e exerci a engenharia por 9 anos, até que em 1988 deixei, definitivamente, essa profissão e desde então tento ser fotógrafo num mercado em que a profissão ainda luta por reconhecimento e qualificação. 

Desde então a cultura popular se tornou, literalmente, o foco principal das minhas lentes e câmeras, tanto de filme, como digitais. Comecei fotografando o artesanato do estado de São Paulo e passar daí para as festas populares, que é tema dessa pesquisa, foi uma transição muito tranquila pois há uma suave relação entre as duas coisas, na medida em que nosso artesanato também retrata muito a religiosidade popular e até é parte dela.

Meu interesse pelas festas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito começou em Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais e se tornou mais forte quando conheci a mesma festa na cidade de Itaúna, também em Minas. Havia sensíveis diferenças na forma como as duas festas eram organizadas, embora as semelhanças também fossem muitas. Conheci outras festas mineiras e fui aos poucos percebendo as semelhanças e, sobretudo, as diferenças entre elas. 

Acho que foi aí que de fotógrafo eu me tornei também um pesquisador; nesse momento em que eu perguntei – Por que existem essas diferenças? Eu queria de fato, responder a essa pergunta ou encontrar alguém que me ajudasse a fazê-lo.

Ao ter a fotografia como base para uma pesquisa de mestrado sobre uma forma específica da religiosidade popular, eu utilizo seu potencial como fonte de informação a ser partilhada e avaliada em conjunto com um texto muito mais complexo e completo do que uma simples legenda. Isso implica numa enorme responsabilidade. Afinal, estou mostrando o que não foi feito para ser mostrado, divulgando o que não foi feito para ser, prioritariamente, visto.

Entendo que a grande diferença entre a cultura popular e a chamada cultura erudita é que a segunda é feita por uma ou mais pessoas, para ser vista e usufruída por outras que em geral não têm nenhuma ligação com as que a produzem, sendo apenas apreciadores.

Cinema, teatro, literatura, pintura e mesmo a fotografia tratada como arte são produzidos para serem consumidos por uma plateia ávida de entretenimento ou diversão e eventualmente algum conhecimento. 

A cultura popular, ao contrário, não é feita para ser vista por outros. Ela é feita para ser vivida por quem a faz. Nenhum maracatu e nenhuma  guarda de Congo saem às ruas para serem filmados ou fotografados. Esses brincantes fazem do canto e da dança uma oração, e seu objetivo ao irem para as ruas é unicamente rezar, cantando e dançando.
Por isso é enorme a responsabilidade de quem se dedica a mostrar essa cultura, consciente de que ela não é e não quer ser um espetáculo.

A seguir, uma amostra do que haverá no livro com cerca de 130 fotografias
Negra Devoção
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